Relato de Caso
Carcinoma de pequenas células de amígdala: relato de caso raro
Small cell carcinoma of the tonsil: a report of rare case
Autores:
Nicolau Tavares Boechem (médico residente) médico residente
Anna Beatriz Telles Esperança (médico residente) médico residente
Rosane Siciliano Machado (médico residente) médico residente
Luzia Abrão El Hadji (médica especialista em otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço) médica do serviço de otorrinolaringologia do HUCCF/UFRJ
Shiro Tomita (Professor titular do departamento de otorrinolaringologia e oftamologia da faculdade de medicina da universidade federal do rio de janeiro) Chefe do serviço de otorrinolaringologia do HUCCF/UFRJ
Palavras-Chave
carcinoma de pequenas células, amigdala, carcinoma neuroendócrino
Resumo
Carcinomas de pequenas células extrapulmonares são tumores raros do sistema APUD. Mais freqüentemente são observados no esôfago com raros casos relatados em cabeça e pescoço. Até 1995 apenas seis casos de carcinoma de pequenas células primário de amígdala foram relatados. Estes tumores apresentam disseminação metastática extensa e precoce. O tratamento de escolha é a quimioterapia associada à radioterapia para controle locorregional, com baixa expectativa de sobrevida.
Keywords
small cell carcinoma, tonsil, neuroendocrine carcinoma
Abstract
Extrapulmonary small cell carcinomas are rare tumors of the APUD system. They are most commonly seen in the esophagus with rare cases reported in the head and neck. Until 1995 only six cases of primary small cell carcinoma of the tonsil. These tumors are usually widely disseminated initially. The treatment of choice is chemotherapy associeted to radiation for locoregional control, with low survivel expectation.
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
Suporte Financeiro: ---------------
Introdução
Carcinomas de pequenas células (CPC) são oriundos de células da neuroectoderme e ocorrem principalmente nos pulmões. O sítio mais comum extrapulmonar é o esôfago, onde um grande número de células do sistema APUD (amine percursor uptake and decarboxylation) estão localizadas. CPC primários em cabeça e pescoço são bastante raros, sendo o primeiro caso descrito em 1972 na laringe. Desde então foram relatados casos em glândulas salivares, palato, base da língua, trato sinusal e amígdala. Até 1995 apenas seis casos de CPC primário de amígdala foram relatados, demonstrando a raridade do caso apresentado.
Relato
Paciente de 47 anos foi encaminhado ao serviço de otorrinolaringologia com história de episódio de odinofagia leve há 5 meses. Recorrência do quadro após 2 meses, associado, entretanto, ao aparecimento de massa cervical indolor no período e úlcera em orofaringe, ambos de crescimento progressivo. Negava emagrecimento, febre, disfagia ou dispnéia. Não apresentava antecedentes tumorais na família, nem comorbidades significativas. História de tabagismo (30 maços/ano) e etilismo social. Ao exame, foi observada lesão úlcero-infiltrativa de amígdala esquerda, endurecida, de limites imprecisos, com extensão para o palato, úvula e base de língua. Massa cervical endurecia e indolor foi observada em topografia jugulodigástrica, com aproximadamente 6 cm no maior diâmetro, sem outras linfonodomegalias. Realizou fibronasolaringoscopia que evidenciou extensão para parede lateral de hipofaringe e base de língua. Tomografia de pescoço evidenciou captação expansiva heterogenia mal delimitada em região amigdaliana esquerda com aparente invasão da região posterior da língua, além de massa cervical captante à esquerda de medidas 6,2 x 5 cm com compressão de veia jugular e áreas de necrose. Realizamos biópsia incisional de orofaringe cuja análise histopatológica evidenciou carcinoma pouco diferenciado sugestivo de pequenas células, com células exibindo cromatina grosseiramente granular, ovaladas com citoplasmas escassos ou ausentes. Para avaliação de linhagem foi realizado estudo imuno-histoquímoco, cujos resultados foram fortemente positivos para cromogramina, sinaptofisina e enolase e negativo para citoqueratinas (CK7, CK8), confirmando o diagnóstico de carcinoma de pequenas células. Tomografia de tórax e abdome evidenciaram múltiplas lesões nodulares nas bases pulmonares, o maior medindo 2 cm no LID, compatível com implantes secundários. Durante acompanhamento apresentou múltiplos nódulos cervicais ipsi- e contra-lateral Encaminhado ao serviço de oncologia iniciou tratamento quimioterápico com quatro ciclos de cisplatina e VP-16, com excelente resposta, aguardando radioterapia para consolidação local.
Discussão
O CPC mais freqüentemente acomete os pulmões (aproximadamente 1/4 dos casos). Apenas 5% destes têm origem extrapulmonar, sendo o esôfago o local mais acometido. CPC com origem em cabeça e pescoço são raros, com casos isolados relatados em laringe, glândulas salivares, palato, base da língua, trato sinusal e amígdala. A laringe seria o local mais comum em cabeça e pescoço, embora o CPC de laringe represente menos de 0,5% dos tumores laríngeos.
O CPC tem origem em células neuroendócrinas do sistema APUD, que se localizam principalmente no hipotálamo/hipófise, medula adrenal, tireóide, trato gastrintestinal e pulmões. Entretanto, estas células podem estar presentes em outros sítios, incluindo cavidade oral e trato aéreo-digestiva alto, originando os raros casos em cabeça e pescoço. Histologicamente, o CPC é composto de uma sólida massa de células homogêneas com pouco tecido conectivo, citoplasma reduzido e núcleos arredondados e hipercromáticos. Outra característica importante é a forte positividade para enolase neuro-específica no estudo imuno-histoquímico.
Os CPCs de cabeça e pescoço acometem normalmente pacientes do sexo masculino, entre a sexta e sétima década de vida, com forte história de tabagismo. Sintomas aéreo-digestivos altos (odinofagia, disfagia, dispnéia) são muito comuns, assim como a presença de metástase cervical (50-70% dos casos). O diagnóstico é realizado pelo estudo patológico da peça biopsiada. Os principais diagnósticos diferenciais são os carcinomas escamosos e os linfomas. Deve ser buscado um sítio primário nos pulmões ou metástase pulmonar. A cintilografia óssea também é preconizada na busca de metástase.
O tratamento dos CPC é difícil por serem tumores de crescimento rápido e de metástase precoce (fígado, pulmão, ossos, cérebro e pele). Assim o tratamento preconizado atualmente é a quimioterapia sistêmica, associada à radioterapia locorregional. A cirurgia pode ter alguma indicação no controle locorregional. Os agentes quimioterápicos mais comuns são a adriamicina, cisplatina, clofosfamida, etoposide, metotrexate, vicristina e VP-16. O tratamento obtém uma resposta parcial em 60-70% dos casos e completa em apenas 20-30%, com sobrevida em 5 anos de 5%.
Apenas seis casos foram relatados de CPC primário de amígdala, sendo os sintomas iniciais em todos eles a presença de massa cervical e amigdaliana. Nestes casos várias modalidades terapêuticas foram utilizadas, todas com baixa sobrevida. Acredita-se que a terapêutica locorregional agressiva com radioterapia e/ou cirurgia tenha importante benefício para o paciente, assim como a quimioterapia sistêmica, já que a maioria destes doentes irá manifestar doença metastática em algum momento da sua evolução. A sobrevida variou de 6 meses a 5 anos, com média em 19 meses, sendo difícil comparar com o prognóstico de outros sítios pelo baixo número de casos.