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    Doenças neurodegenerativas: como identificar?

    Quadros de saúde afetam células nervosas e causam perda progressiva de diversas funções

    Por Danielle SanchesPublicado em 22/09/2022, às 13:03 - Atualizado em 25/05/2023, às 16:04
    Imagem: Shutterstock

    Em junho deste ano, a jornalista Renata Capucci revelou que vive com Parkinson há quatro anos. Diagnosticada aos 45 anos, ela recordou que, à época, já possuía alguns sintomas discretos, mas ela mesma não percebia. 

    “As pessoas me diziam que eu estava mancando e eu não percebia”, contou, em entrevista ao podcast “Isso é Fantástico”. 

    Renata não é a única personalidade que sofre com uma doença categorizada como neurodegenerativa. Basta lembrar do ator Michael J. Fox, famoso por seu papel na franquia de filmes “De Volta para o Futuro” ou de Sean Connery, o eterno “007”, que sofre de demência

    Já Stephen Hawking, o brilhante cientista e autor britânico, passou grande parte da sua vida falando por meio de um computador por sofrer de esclerose lateral amiotrófica (ELA).

    Em comum, todas essas doenças têm a degeneração neurológica – ou seja, um desgaste do cérebro e/ou de suas células nervosas (os neurônios) que provoca uma perda gradual e contínua de funções do indivíduo. 

    “Essas doenças provocam uma lesão nos neurônios ou na comunicação deles, a sinapse, ou mesmo a morte dessas células”, explica o neurologista Raphael Spera, médico-assistente da Divisão Clínica Neurológica do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e membro titular da ABN (Academia Brasileira de Neurologia). “Com isso, o cérebro perde funcionalidade, as áreas dele não se conversam”, diz.

    São doenças que atingem milhões de pessoas anualmente no mundo todo. Estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde), por exemplo, indicam que existam 55 milhões de indivíduos vivendo com demência hoje no mundo – e são 10 milhões de novos casos a cada ano. 

    No caso da Doença de Parkinson, a organização estima que são 8,5 milhões de pessoas portadoras da doença, que atualmente é a causa neurológica que mais causa incapacidade e morte.

    Mas o que pode ser feito para frear esse avanço? Existe alguma razão para vermos cada vez mais diagnósticos de doenças desse tipo? Quais são as mais comuns? E, principalmente: o que pode ser feito para prevenir e evitar esses problemas? Continue a leitura que vamos falar mais sobre o assunto a seguir. 

    Arte: Andrea Petkevicius

    Doenças neurodegenerativas: quais são as mais comuns?

    Problemas de saúde que acometem o sistema nervoso são hoje considerados uma das principais razões de atendimento médico e hospitalar. E, como os diagnósticos estão aumentando todos os anos, os custos também seguem a tendência de alta nos próximos anos. 

    Para se ter uma ideia, uma análise feita há alguns anos estimou que os gastos nos Estados Unidos com cuidados destinados às pessoas que sofrem com doenças neurológicas era de US$ 1,5 trilhão (cerca de R$ 7,5 trilhões).

    É importante dizer que grande parte desses custos é destinado aos cuidados paliativos, já que as doenças neurodegenerativas não têm cura. Mais que isso: as causas delas também não são claras. 

    “Algumas têm um componente genético, outras podem ser causadas por variações ambientais e há ainda os casos em que há uma combinação desses fatores”, afirma o médico Roberto Giugliani, head de Doenças Raras da GeneOne, empresa de genômica da Dasa, e membro da Academia Brasileira de Ciências. 

    Segundo ele, uma pessoa que possua alterações genéticas específicas tem 100% de chance de apresentar alguma dessas doenças no futuro. No entanto, no caso do Alzheimer, por exemplo, os hábitos de vida são determinantes para aumentar ou não o risco de desenvolver o problema. 

    Além disso, outra variação importante entre as doenças neurodegenerativas é que elas não acometem o sistema nervoso de forma igual. Cada uma delas atinge áreas específicas – e, por isso, mesmo provocando perdas importantes no cérebro, elas apresentam sintomas que nem sempre são parecidos entre si. 

    No Alzheimer, por exemplo, a morte de neurônios é concentrada principalmente no córtex, uma região importante para o processamento da memória. Por isso, um dos primeiros sinais é justamente o esquecimento. 

    Já no Parkinson, a perda de células nervosas ocorre em uma parte chamada de substância negra, uma área importante para a produção de dopamina, um neurotransmissor que, entre outras funções, ajuda o cérebro a controlar os movimentos musculares – daí os tremores típicos da doença. 

    Veja a seguir as cinco principais doenças neurodegenerativas: 

    Alzheimer 

    É o tipo de demência mais comum. Atualmente, de acordo com a OMS, é a sétima causa de morte entre todas as doenças e uma das maiores causas de incapacitação e dependência entre pessoas mais velhas no mundo todo. 

    Como dito anteriormente, é causada pelo acúmulo de proteínas – conhecidas como beta-amiloide e tau – nos neurônios, levando à morte das células nervosas em áreas como hipocampo e córtex. 

    Com isso, o paciente vai perdendo a capacidade de armazenar memórias, além de outras perdas cognitivas importantes que comprometem as atividades cotidianas. Outras atividades afetadas incluem a linguagem, o raciocínio e o pensamento abstrato. Seus principais sintomas são: 

    • Perda de memória recente;
    • Repetição de perguntas;
    • Lentidão para acompanhar pensamentos complexos;
    • Dificuldade em lembrar das palavras durante a fala;
    • Interpretação errada de estímulos visuais ou auditivos;
    • Mudança de comportamento;
    • Alteração de humor.

    Em um estudo feito há alguns anos na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), em associação com pesquisadores da Alemanha, sinais iniciais de Alzheimer foram encontrados em outra área do sistema nervoso, no tronco cerebral – uma região responsável por controlar funções involuntárias cruciais para a nossa sobrevivência, como a respiração, os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea. 

    A suspeita, então, é de que o Alzheimer começa ali, na menor das três grandes partes do encéfalo, e se espalhe pelo córtex. Os estudos ainda continuam, mas, se for confirmada, a informação é importante para o desenvolvimento de novas terapias que tentam impedir o desenvolvimento da doença ainda no começo. 

    Não existe tratamento para o Alzheimer, embora existam inúmeros estudos que buscam compreender melhor os processos envolvendo demência e possíveis substâncias que possam impedir ou reduzir a progressão da doença. Por enquanto, as medicações disponíveis têm efeito limitado.

    + SAIBA MAIS: Novo teste auxilia no diagnóstico de Alzheimer

    Arte: Andrea Petkevicius

    Doença de Parkinson

    A doença degenerativa é comumente associada aos tremores, mas os sintomas motores incluem também lentidão de movimentos, rigidez muscular e desequilíbrio. Outras complicações incluem comprometimento cognitivo, depressão, problemas do sono, dores e desequilíbrio sensorial. 

    Assim como ocorre no Alzheimer, no Parkinson, há um acúmulo de proteínas nos neurônios que provoca a morte deles. No entanto, nesse caso, cientistas brasileiros e americanos identificaram em um estudo que a proteína em questão é a chamada alfa-sinucleína. 

    Em excesso, ela interrompe a produção de dopamina, um neurotransmissor que ajuda o cérebro a controlar os movimentos musculares. Isso acaba impedindo que a mensagem seja enviada corretamente, o que causa perda progressiva da função muscular. 

    Além dos já citados, outros sintomas da doença incluem: 

    • passos mais curtos; 
    • dificuldade em manter a postura ereta (causada pelo desequilíbrio corporal);
    • menor movimentação dos braços ao andar;
    • dificuldade de engolir;
    • diminuição do olfato;
    • alterações intestinais.

    Atualmente, a medicação Levodopa/carbidopa é a mais eficaz para controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. No entanto, por ser de alto custo, seu acesso é difícil para a maioria dos pacientes, em especial os residentes em países em desenvolvimento. 

    Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)

    Sem cura, a doença provoca paralisia motora irreversível que vai piorando de forma gradual. Assim, funções como a fala, os movimentos, a capacidade de engolir e até de respirar vão sendo comprometidas de forma gradual. A capacidade cognitiva, no entanto, permanece preservada. 

    É uma doença bastante temida justamente por causar a perda da funcionalidade e da capacidade de cuidar de si mesmo. Na maioria dos casos, o paciente morre entre três e cinco anos após o diagnóstico; mas em cerca de 25% dos casos, a sobrevida pode ir além desse período. 

    E, assim como o Alzheimer e o Parkinson, a ELA também tem como fator de risco importante, a idade: o quadro é mais prevalente nos pacientes entre 55 e 75 anos.

    As causas da ELA ainda não são conhecidas, mas já se sabe que, em 10% dos casos, ela está relacionada a um defeito genético que acaba provocando a morte dos neurônios relacionados às contrações musculares. 

    Os principais sintomas dessa doença são:

    • perda gradual de força e coordenação muscular; 
    • incapacidade de realizar tarefas rotineiras como subir escada, andar e levantar;
    • dificuldade de falar, respirar e engolir;
    • engasgar com facilidade;
    • cabeça caída;
    • cãibras musculares;
    • alterações de voz/rouquidão;
    • perda de peso.

    A ELA não afeta os sentidos (visão, olfato, paladar, audição e tato) e raramente atinge o funcionamento da bexiga, dos intestinos ou a capacidade de raciocínio. A função sexual também se mantém preservada.

    O tratamento da doença é feito com o uso do medicamento riluzol, que reduz a progressão da doença e prolonga a vida do paciente. Fisioterapia, uso de órteses e cadeira de rodas podem ser necessários ao longo da evolução da doença. 

    Doença de Huntington

    É provocada por uma anomalia genética no gene HTT, que se repete mais vezes do que deveria. Isso afeta os neurônios de algumas áreas do cérebro que, progressivamente, vão se degenerando e morrendo. 

    Por ter uma causa genética bem estabelecida, é considerada uma doença hereditária. Estima-se que filhos de portadores de Huntington têm 50% de chance de herdar o gene alterado e desenvolver a doença em algum momento da vida. 

    A perda de células nervosas ocorre na área do cérebro chamada gânglios da base. Essa região é responsável por modular os movimentos do corpo, permitindo a realização de movimentos voluntários finos,que dependem da nossa vontade para acontecer, como andar ou levantar um garfo. 

    Com a morte dessas células nervosas, o paciente apresenta dificuldade no controle da coordenação motora. O humor e o comportamento também costumam ser afetados pela doença, que não tem cura. 

    Os principais sintomas são: 

    • Alterações no controle dos movimentos e coordenação motora;
    • Movimentos involuntários e rápidos que podem ser repetitivos (semelhantes aos chamados “tiques”);
    • Distonia (contração involuntária dos músculos);
    • Dificuldades cognitivas;
    • Alterações de humor e comportamento;
    • Problemas de memória;
    • Impulsividade e irritabilidade;
    • Apatia;
    • Fadiga;
    • Lentidão de pensamentos.

    Diferente das outras doenças neurodegenerativas, a Huntington costuma apresentar os primeiros sintomas ainda na vida adulta, a partir dos 30 anos (mas pode ser diagnosticada até os 50).

    Não existe tratamento para a doença, mas o auxílio de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e outros especialistas da área de saúde ajudam o indivíduo a lidar com os sintomas e manter a qualidade de vida por algum tempo após o diagnóstico. 

    Imagem: Shutterstock

    Por que é importante falar de doenças neurodegenerativas?

    Porque, em sua maioria, elas acometem os indivíduos a partir de uma certa idade – geralmente, a partir dos 50 ou 60 anos. E, com o aumento da expectativa de vida das pessoas no mundo, o número de diagnósticos também tende a aumentar muito nos próximos anos. 

    Para se ter uma ideia, a OMS estima que, até 2030, serão 75,6 milhões de pessoas diagnosticadas com demência – um número que pode chegar a 135,5 milhões em 2050. O Alzheimer representa até 70% de todos os casos diagnosticados; a entidade também espera um aumento nos diagnósticos de Parkinson. 

    “É o esperado. Todo país que tenha um envelhecimento acentuado da população terá um aumento de doenças neurodegenerativas e cardiovasculares”, explica Raphael Spera. 

    Ele lembra ainda que, diferente do que muitas pessoas ainda acreditam, a demência não é uma característica do envelhecimento natural da pessoa. “É claro que há uma desaceleração e perda com o envelhecimento, mas a demência é sempre considerada uma doença mesmo que diagnosticada em alguém com 100 anos”, afirma. 

    Mais que isso, com o tempo, é possível ver um aumento de certas funções cerebrais. “O equilíbrio emocional e o conhecimento, por exemplo, são favorecidos após tantos anos de experiência”, diz. 

    Ou seja, entender melhor como essas doenças funcionam e ainda, divulgar dados e informações sobre elas aumenta as chances de que as pessoas busquem auxílio para receber o diagnóstico correto em qualquer idade e, com sorte, de forma precoce – o que aumenta e muito as chances de uma vida com qualidade. 

    Isso porque, quanto mais cedo essas doenças forem detectadas, maiores as chances de retardar as perdas neurológicas com o uso de medicamentos e outras terapias médicas. 

    E quando é o momento de procurar ajuda? “A diferença entre doença ou não é a perda de autonomia e sofrimento”, ensina o especialista. “Quando isso está presente, é hora de buscar orientação médica.” 

    Normalmente, além da avaliação clínica e de sintomas, o médico pode pedir exames como tomografia computadorizada, ressonância magnética e análises laboratoriais para confirmar o diagnóstico. 

    Doenças neurodegenerativas: é possível prevenir? 

    De acordo com o neurologista Marcus Tulius, do (CHN) Complexo Hospitalar de Niterói e do Laboratório de Pesquisa Clínica em Neuroinfecção do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/Fiocruz, a única doença para a qual existem fatores de risco definidos e, portanto, formas de prevenção, é o Alzheimer. 

    Isso porque ele tem componentes que envolvem fatores ambientais, como escolaridade e saúde cardiovascular, que podem colocar a pessoa em maior risco de desenvolver um processo demencial. 

    Mas existem formas de retardar a doença e até alcançar mais qualidade de vida. A mais importante delas é criar uma reserva cognitiva potente e que seja capaz de suprir as funções perdidas com a morte das células nervosas. 

    Isso porque a reserva cognitiva nada mais é do que a capacidade que o cérebro tem de usar outros caminhos para acessar informações e realizar comandos importantes para os processos do órgão, como a memória. 

    Mas podemos pensar em reserva cognitiva também quando falamos em alguém que teve um AVC e precisa de reabilitação para reaprender a andar e efetuar outras funções motoras. 

    “A reserva cognitiva é a nossa capacidade cerebral de se recuperar de uma lesão, uma agressão, seja ela por doença ou por um trauma, por exemplo”, afirma Spera. 

    Mas a reserva cognitiva depende de uma construção que deve ser feita ao longo de toda a vida – uma espécie de “poupança” neural que vamos formando por meio de estímulos que criam diversas alternativas de conexão para acessar informações e comandos importantes. 

    Quanto maior e mais sólida for essa rede de conexões formada, maiores as chances dos pacientes com doenças neurodegenerativas conseguirem manter a autonomia em suas vidas por mais tempo. 

    Alguns estímulos favorecem a formação da reserva cognitiva e podem ser feitos tanto na vida adulta, por indivíduos saudáveis, como na velhice por idosos saudáveis ou acometidos por alguma doença neurodegenerativa (desde que respeitando as limitações físicas). São eles: 

    • Atividades físicas
    • Interações sociais com frequência
    • Aprender um idioma diferente 
    • Ler livros e revistas com frequência
    • Dançar 
    • Aprender a tocar um instrumento
    • Escrever
    • Praticar atividades manuais 
    • Montar quebra-cabeças 
    • Completar palavras-cruzadas 
    • Participar de uma comunidade ou um grupo

    Por fim, investir tempo e cuidados com a saúde mental também é fundamental, já que isolamento e falta de interação social causam uma queda nos estímulos que também prejudica o funcionamento cerebral. 

    “Interagir com familiares e amigos e participar de atividades sociais também é um importante estímulo, cognitivo e emocional, que favorece a formação da reserva cognitiva”, afirma o neurologista.

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