RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28 e-1993 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180083

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Caso 26

Case 26

Jéssica da Cruz Arantes1; Andrezza Dias1; Fabio Mitsuhiro Satake2; André Nassar Naback1; Giovanna Vieira Moreira1; Juliano Alves Figueiredo3

1. Acadêmicos de Medicina na Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico graduado pela Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Juliano Alves Figueiredo
E-mail: jfigufmg@gmail.com

Recebido em: 15/05/2017
Aprovado em: 24/08/2017

Instituiçao: Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

 

Paciente feminino, 21 anos, hígida, com bucal à esquerda, procurou odontólogo que solicitou exame tomográfico (Imagem 1*), o qual evidenciou lesão óssea em mandíbula esquerda. Submetida a exérese total da lesão, descrita anatomopatologicamente como como osteoma. Sem outras queixas. História familiar de carcinoma de cólon (pai, avô e tio), sendo recomendada realização de colonoscopia com biópsia (resultado anatomo-patológico: adenomas colônicos) e, posterior, colectomia total (imagem 3*), cuja análise da peça cirúrgica confirmou o resultado anatomo-patológico. Dezoito meses após o procedimento, a paciente continuou assintomática.

 


Imagem 1.

 

 


Imagem 1. Análise

 

 


Imagem 2.

 

 


Imagem 2. Análise

 

 


Imagem 3.

 

 


Imagem 3. Análise

 

Analisando o quadro clínico da paciente e as alterações descritas na propedêutica realizada, qual é a a hipótese diagnóstica mais provável?

a. Síndrome de Peutz Jeghers

b. Carcinoma colorretal hereditário sem polipose (HNPCC) ou Síndrome de Lynch

c. Polipose adenomatosa familiar atenuada, com clínica de Síndrome de Gardner

d. Polipose hiperplásica

 

ANALISE DAS IMAGENS:

Imagem 1: Tomografia computadorizada da mandíbula, reconstrução coronal, nível dos terceiros molares. Lesão exofítica óssea lateral em ângulo mandibular esquerdo nodular, esclerótica, de contornos predominantemente regulares. (círculo vermelho).

Imagem 2: Fotografias de colonoscopia evidenciando menos de cem lesões do tipo pólipos sésseis, medindo de 2 a 5mm, cobertos por mucosa eritematosa , distribuídas por todo o cólon (setas amarelas).

Imagem 3: Foto à esquerda mostrando peça de cólon fechado, integralmente retirado da paciente. Foto à direita mostrando, em destaque, cólon aberto longitudinalmente com múltiplas lesões intestinais do tipo pólipo séssil (setas amarelas).

 

DIAGNOSTICO:

Polipose Adenomatosa Familiar (PAF) atenuada é o diagnóstico mais provável diante de um quadro de pólipos intestinais numerosos (< 100) do tipo adenoma e distribuídos por todo o cólon, em uma pessoa jovem, com história familiar de carcinoma colorretal. A presença de osteoma em mandibular corrobora ainda mais esse diagnóstico, pois a PAF pode cursar com estas manifestações extraintestinais (variante conhecida como Síndrome de Gardner). Apesar da ausência de sintomas gastrointestinais na idade jovem, quase 100% dos pacientes com polipose familiar evoluem com carcinoma colorretal por volta dos 40 anos de idade, estando indicada colectomia total profilática.

Na polipose hiperplásica, os pólipos intestinais também são múltiplos, mas na maioria das vezes não tem característica histológica de adenoma, mas sim de lesões hiperplásicas. Além disso, a polipose hiperplásica afeta pessoas mais idosas, entre a sexta e a sétima década de vida, e raramente cursa com manifestações extracolônicas. Deve-se distinguir as lesões de adenomas serrilhados sésseis, que contém simultaneamente tecido hiperplásico e adenomatoso, com potencial maligno.

Na Síndrome de Peutz Jeghers, os pólipos intestinais não são histologicamente adenomas, mas sim hamartomatosos, compostos por crescimento focal excessivo de células normais envolvidas por tecido muscular liso, que não reproduzem a arquitetura habitual. Os múltiplos pólipos são mais comumente encontrados no intestino delgado, embora possam ocorrer no cólon e no estômago, associados à pigmentação melanocítica na pele e mucosas. Geralmente, são benignos, mas podem crescer progressivamente e produzir sintomas.

Na Síndrome de Lynch (SL) ou carcinoma colorretal hereditário não poliposo (HNPCC), as lesões intestinais não são poliposas. É uma síndrome hereditária de câncer colorretal prevalente e para ser diagnosticada, a hipótese de PAF deve ser excluída, passando pelos protocolos investigativos. O carcinoma colorretal nestes pacientes manifesta-se entre 40 e 45 anos, mais precocemente àqueles com cânceres esporádicos.

 

DISCUSSÃO DO CASO:

A polipose adenomatosa familiar (PAF) é um distúrbio de mutação do gene APC (supressor tumoral que age como barreira na sequência adenoma-adenocarcinoma), caracterizado por pólipos adenomatosos colônicos, geralmente em número maior do que 100, que surgem por volta da 2ª e 3ª década de vida. Estima-se que cerca de 10% dos pacientes apresentem uma forma atenuada de PAF, apresentando curso mais brando da doença, idade mais avançada no diagnóstico e  no aparecimento do câncer colorretal (10 a 15 anos mais tarde que na PAF clássica), presença de menos de 100 pólipos, com localização mais proximal, poupando o reto.

Assim como na PAF clássica, na forma atenuada (PAFa) podem existir diversas manifestações extracolônicas, como pólipos gástricos e duodenais, tumores desmoides, osteomas (geralmente no crânio e mandíbula) e hipertrofia congênita do epitélio da retina, cuja investigação por meio de exames de imagem (radiografias e/ou TC) é incluída na propedêutica nestes casos. Assim, a combinação de PAF com qualquer dessas manifestações extracolônicas é denominada Síndrome de Gardner.

Os pacientes podem apresentar sangramento gastrointestinal, dor abdominal ou diarreia, mas a grande maioria é assintomática até que surjam os sintomas típicos de neoplasia colorretal (sangramento, obstrução, anemia).

O diagnóstico é baseado nos achados clínicos e endoscópicos, além de testes genéticos para mutação do gene APC, cuja investigação está indicada em pacientes com histórico familiar de polipose e/ou neoplasia colorretal. A investigação por meio da colonoscopia é o padrao ouro neste caso, em que o diagnóstico deve ser suspeitado em pacientes que apresentem mais de 10 adenomas colônicos. Assim, é indicada uma anamnese detalhada buscando por sintomas intestinais (diarreia, sangramento) e pelas manifestações extraintestinais citadas, sempre na investigação médica destes familiares.

Os portadores da PAF irao desenvolver câncer de cólon em quase 100% das vezes, caso os adenomas colônicos não sejam removidos. Apesar de a maioria dos adenomas serem clinicamente silenciosos, o objetivo do tratamento é prevenir a evolução para adenocarcinoma, uma vez não sendo possível prever quais sofrerao transformação maligna. Portanto, a prevenção quanto à malignização é a polipectomia endoscópica, sendo necessária a colectomia (principalmente subtotal com anastomose ileorretal) na presença de múltiplos pólipos. A indicação cirúrgica deve considerar: idade ao diagnóstico, número de pólipos adenomatosos (>20), localização dos pólipos no cólon (lado direito), frequência de recorrência e morfologia dos pólipos.

Os pacientes com PAF permanecem sob risco constante de desenvolverem neoplasia maligna, portanto o seguimento deve ser periódico. O uso de quimioterapia neoadjuvante não está comprovado como fator que diminua o aparecimento de adenomas. Já a adjuvante, com o do uso de drogas antiinflamatórias não esteroidais, parece implicar em diminuição quantitativa e de extensão do acometimento por adenomas colorretais.

 

Aspectos relevantes:

- A PAF deve ser suspeitada em pacientes com história familiar de polipose intestinal e/ou câncer colorretal;

- A síndrome de Gardner é uma variante de PAF, na qual estao presentes manifestações extra-intestinais como pólipos gástricos e duodenais, tumores desmoides, osteomas e hipertrofia congênita do epitélio da retina;

- A malignização dos pólipos colorretais na PAF é de quase 100%, estando a colectomia profilática corretamente indicada;

- O diagnóstico da PAF é baseado nos achados clínicos e endoscópicos, além de testes genéticos para mutação do gene APC.;

- O tratamento com colectomia total e anastomose ileorretal oferece vantagens como a preservação do esfíncter anal e menor morbidade;

- Os portadores de PAF clássica ou atenuada devem fazer seguimento clínico periódico;

 

REFERENCIAS:

1. ASSIS, RVBF. Rastreamento e Vigilância do Câncer Colorretal: Guidelines Mundiais. GED gastroenterol. endosc.dig, 30(2):62-74. 2011. Vitória, Brasil. Acesso em: 15 de outubro de 2016. Disponível em: <http://files.bvs.br/upload/S/0101-7772/2011/v30n2/a2916.pdf>

2. ARETZ, S. VASEN, HFA. OLSCHWANG S. Clinical utility gene card for: Familial adenomatous polyposis (FAP) and attenuated FAP (AFAP). European Journal of Human Genetics vol 23. 2015. Marselha, França. Acesso em: 17 de outubro de 2016. Disponível em: PubMed PMID PMC3137508.

3. ASSIS, RVBF. Rastreamento e Vigilância do Câncer Colorretal: Guidelines Mundiais. GED gastroenterol. endosc.dig, 30(2):62-74. 2011. Vitória, Brasil. Acesso em: 15 de outubro de 2016. Disponível em: <http://files.bvs.br/upload/S/0101-7772/2011/v30n2/a2916.pdf>.

4. ABBAS, KA. FAUSTO, N. KUMAR, VINAY. Robbins & Cotran - Bases Patológicas das Doenças. 8ª edição. Elsevier. 2010. 1504 pag.

5. GROEN, EJMD. et al. Extra-Intestinal Manifestations of Familial Adenomatous Polyposis. Annals of Surgical Oncology, 15(9):2439-2450. 2008. Groningen, Países Baixos. Acesso em: 10 de outubro de 2016. Disponível em: PubMed PMID 18612695

6. BALMAÑA, J. et al. Familial risk-colorectal cancer: ESMO Clinical Practice Guidelines. Annals of Oncology 24 (Supplement 6): vi73-vi80. 2013. Barcelona, Espanha. Acesso em: 10 de outubro de 2016. Disponível em: <http://www.esmo.org/Guidelines/Gastrointestinal-Cancers/Familial-Risk-Colorectal-Cancer>.

7. SCHLUSSEL, AT. DONLON, SS. EGGERDING FA. GAGLIANO RA. Identification of an APC Variant in a Patient with Clinical Attenuated Familial Adenomatous Polyposis. Hindawi Publishing Corporation. Case Reports in Medicine Volume 2014, 3 pages. 2014. Estados Unidos. Acesso em: 15 de outubro de 2016. Disponível em: PubMed PMID 16499543.